Uma viagem pelo que viveu e acompanhou durante a sua carreira que vai para além da diplomacia. João Diogo Nunes Barata teve um percurso ímpar que o levou a privar com alguns dos mais importantes atores políticos nacionais. No momento da sua morte recordamos algumas das suas memórias[1]:
“Entrei para o Ministério dos Negócios Estrangeiros e, depois, como fui o primeiro classificado do concurso, fui colocado na secção – na altura não havia sequer repartições – na secção que tratava do assunto mais importante na altura que era a secção dos Negócios Políticos Ultramarinos. Isto passa-se em 1964.
O Franco Nogueira… A primeira coisa que o Franco Nogueira fez quando o nosso concurso foi aprovado… Chamou os seis novos recrutas e disse-lhes, “Senhores doutores. Os senhores acabam de entrar para a carreira diplomática, mas não pensem que são diplomatas; os senhores são funcionários, só se é diplomata mais tarde, quando se aprender a arte da diplomacia. Os senhores estão aqui para aprender, mas ainda não são diplomatas”. Hoje, qualquer jovenzito diz que é diplomata! “Portanto, os senhores são funcionários, vão aprender e para isso têm de conhecer de que assuntos trata o Ministério, têm que circular por vários serviços, …”.
Chegamos ao 25 de Abril. No dia 25 de Abril, eu falei para casa do Spínola, atendeu-me a mulher, a D.ª Maria Helena, que disse que o marido estava na Pontinha e para eu ir lá. Eu fui à Pontinha e, quando lá cheguei, estava o João Almeida Bruno que me disse, “o nosso general quer que vás instalar os serviços da Junta de Salvação Nacional na Cova da Moura”. Eu fui para a Cova da Moura para procurar ver as salas e instalar os serviços, porque no dia seguinte a Junta instalou-se ali. Aliás, o general chega à Cova da Moura e há uma fotografia que é publicada na Flama, que é do general a chegar, com a legenda “o general Spínola chega à Cova da Moura”, e estou eu a recebê-lo. Ele sai do automóvel e estou eu a recebê-lo. Tivemos ali a Junta de Salvação Nacional e, logo no dia 28, o adido militar da Embaixada de França pede para ser recebido pela Junta. Eu recebi-o e ele disse que tinha recebido a notícia de Paris que o Presidente Senghor, que estava naquela altura na capital francesa, gostaria de se encontrar com alguém da Junta.
Depois, o que há de mais assinalável nesse período é a declaração do reconhecimento da independência da Guiné. Fui eu que a li. No dia da proclamação da independência, o PAIGC enviou uma delegação chefiada pelo comandante Pedro Pires e com o Vítor Saúde Maria e o Ansumane Mané que eram os membros da delegação e há, aí, dois factos, talvez, a mencionar. Um é que o Spínola tinha dito ao ajudante-de-campo dele, ao António Ramos, para ser ele a ler a declaração do reconhecimento da independência da Guiné. O António Ramos pediu para não ler, porque, enfim, tinha lá combatido e estava muito emocionado. E, depois, volta-se para mim, “você não se importa de ler?”. “Eu não me importo nada”. E li a declaração, claro.
E devíamos, portanto, agora que se fala tanto em reforma do Estado, fazer também a reforma das prioridades da nossa política externa e sentarmo-nos à mesa… “O que é que é verdadeiramente importante para nós?”. E investirmos. O que é importante tem de ser feito, tem de se arranjar meios. Não se pode dizer “não se faz, porque não há meios”. Há! Porque há meios para outras coisas!
[1] In Arquivo e Biblioteca do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Coleção Memória Oral da Diplomacia Portuguesa. João Diogo Nunes Barata; Pedro Aires Oliveira. «Entrevista ao Embaixador João Diogo Correia Saraiva Nunes Barata», Lisboa: 23 de janeiro e 1 de fevereiro de 2013, 108 pp. https://memoriaoraldiplomacia.mne.gov.pt/images/entrevistas/modp_2022_jdcsnb_barata_joao_2013_rev.pdf [Acedido em 07/10/2024]